28 junho 2005

Vida presa

Quais são os meus direitos? Será que ainda terei paz em minha vida? Ela vem aqui todos os dias, arruma minha casa conforme seu gosto, cospe suas ordens, suja minha louça e esvazia meus armários de comida. Desde que essa infeliz entrou em minha vida eu não tive mais sossego.
Nos conhecemos em um bar no outro lado da cidade. Logo de início ela me pareceu muito ameaçadora. Tentei fugir, mas ela me capturou, bruxa, com seu feitiço de charme e beleza. Daí por diante a vida virou um inferno. Senti-me preso dentro de mim mesmo, um escravo de minhas emoções. Ela nunca me respeitou, talvez eu também não tenha me dado o devido respeito. Deixei me enganar por um belo par de seios e olhos verdes. Me domou como se doma um potrinho perdido, virei um leão domesticado. Ela fazia o que queria comigo, me humilhava na frente dos meus amigos, me cuspia ordens, me fazia a acompanhar em chás das amigas. E eu sempre fazia tudo, compenetrado, como que hipnotizado. De vez em quando o feitiço parecia se quebrar, e minha ira vinha em diversas formas. As vezes uma batida de pé, um soco na mesa, um urro preso na garganta que se soltava. Mas aí, a ira dela vinha maior que a minha e me subjugava como um gatinho com medo dos cães.
Meus amigos me abandonaram e eu fiquei só em minha jaula aguardando, obedecendo a tudo que me era comandado. No espelho eu já não mais me reconhecia. Minha barba que cultivei durante tantos anos, desde que os primeiro pêlos começaram a aparecer no rosto, não estava mais ali. Ela não gostava dos pêlos que, segundo ela, arranhavam seu rosto. Meu cabelo está sempre emplastrado de gel, pois ela gosta. Perdi 10 quilos, sinto-me subnutrido e fraco, mas ela gosta assim, para me manter mais ainda sob seu poder. Meu guarda-roupa foi todo fora, ela mudou todas as cores das quais eu gostava. Sinto-me um imbecil quando saio na rua. Mas não consigo evitar isso. Aguardava apenas a hora de me ver livre de tudo: a hora de minha morte. Nada mais me importava.
Então, resisti à morte e aguardei, durante anos que o feitiço ficasse fraco. Segurei tudo que podia, para que minha atitude viesse com a força máxima que pudesse me libertar. Não tinha mais que aguardar a minha morte e sim a morte dela. Combinamos de nos encontrar no shopping para fazer compras de roupas e sapatos para ela. Encontrei ela na frente da Vitor Hugo e despejei toda minha raiva de uma vez só. Ela tentava me subjugar com suas hábeis palavras, mas as coisas vieram com tanta força que não consegui evitar o ataque físico. As pessoas tentaram me segurar, mas ninguém podia conter minha ira. A adrenalina era tanta que não senti quando um segurança do shopping me deu um choque elétrico. Continuei meu ataque até sentir que estava livre, que veio exatamente quando senti o segundo e mais forte choque. Meu coração ficou tranqüilo e a paz invadiu minha alma.

2 Comments:

Blogger Fernanda Ribeiro said...

De ritmo tranquilo e, sempre, irreverente. Muito bom!!

00:47  
Blogger Miles Cap said...

Eu ja tive uma destas na minha vida...
Ainda bem que não tomei choque!
Bjs

22:59  

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