28 junho 2005

Zo

Desculpa-me Zorak, eu não poderia imaginar. Era só uma merda de notícia de jornal, daquele lixo sensacionalista que tinhas o costume de ler. Realmente não poderia saber, não cheguei tão próximo para ver as letras borradas no papel prensado, as tuas lágrimas que haviam “maculado” a triste notícia, da qual, sequer, eu tinha conhecimento. Mas tu não tinhas o direito de dizer que sou insensível. Não o tens. Fazem cinco anos que vivo a tua vida, agenciando tuas mimices. Todo este tempo te adorei e amei. Insensível, não sou, sabes disso.

Não queria ter te agredido, mas têm sido tempos difíceis, entende.

É uma pena que não possa ver a rosa que trago para ti, um botão graúdo, de caule grosso.

Desculpa a voz embargada, a cara amassada, não tenho dormido muito bem, toda a vez que deixo a cabeça pesar sobre o travesseiro parece que o mundo pesa sobre ela. Dramático, sempre fui perto de ti, pena não estares aqui com aquele sorriso debochado costumeiro, não é? Sabe, falando de sorriso, lembrei dos teus dentes brancos... E falando em dentes, tenho andado com os meus sempre cingidos.

Quando cheguei no apartamento, estavas sentado na mesa, de costas para porta. Imaginei que te encontraria lendo o jornal naquela posição, e foi por isso que entrei de maneira tão violenta. Era só mais uma cena, de tantas, não deverias ter ficado tão chocado.

Lembra Zo? Eu estava no Guerrilha, com todas as bicha velhas, metidas a austeras e posudas, contra a janela, fumando. Olhei para cima e tu estavas dançando. Como eras putinho, muito, sabe, uma bicha magrinha destas modernas, com os cabelos muito bem arrumados, os olhos negros de carvão, tão bonito, dançavas para mim. Eu fumava meu cigarro, sabendo que logo tu te aproximarias. Não demorou muito, veio te requebrando todo, descendo as escadas... No meio do caminho te agarrou com um gurizinho... Puxavas os cabelos da nuca dele, engolindo o pobre, me olhava.

Quando te aproximou, eu já tinha um cigarro aceso para ti. Tinhas gestos muito frescos, uma voz adolescente, arranhada, grave e fina. Num ar de desafio, tão bobo, me disse que não sairia tão caro. Foi muito caro Zo.

Depois daquela noite, houve tantas. Foi divertimento, eu sei, mas o envolvimento partiu primeiro de ti e fiquei comovido, enternecido com o ar adolescente, com o teu desamparo, a tua ingenuidade. E tu, soubeste arrancar cada tostão de mim, eu sempre soube que era isso que querias, e te provia.

Como um filho mimado, quando começou tua faculdade idiota, me deixou de lado, e teve teus novos amigos, teus novos meninos. Eu respeitei cada segundo, cada momento. Todas as vezes que caiu te levantei, ou, ao menos, de alguma forma tentei. Existiam muitas coisas que não poderia te dizer. Só que não cabia a mim te julgar, te reputar por teu despreparo e imaturidade.

Obviamente, não tinhas a mesma delicadeza, mas eu suportava, fazia parte do pacote, não fazia? Eu era uma bicha solitária, frustrada, quarentona. Nunca deixei que meus outros casos te machucassem. Sempre cuidei tanto de ti, Zo.

Mas este ano foi difícil. Perder teu sexo foi muito doloroso, mas a perda da tua confiança foi assaz. Reclamavas da falta de dinheiro, do controle, das coisas que os outros faziam e tu não, como se fosse apenas para manter algum diálogo comigo, talvez por certa compaixão, e também, é verdade, aproveitavas para transferir-me alguma culpa. Dos teus problemas, eu não sabia mais. Afastaste muito de repente. Não deixei que me devolvesse a chave do apartamento, tinha-o comprado para ti, e não para nós, como pensavas. Continuei dando a tua mesada porque me sentia, de alguma forma, comprometido, não só pelo amor que tinha por ti, mas por parecer ter te corrompido, bastando-me, então, te ajudar daquela forma; tu, aos poucos, me convencias.

Mas Zo, tu cuspiu na minha cara, lembra? Chamou-me de maldito, soluçavas aquele dia, tremia. Culpava a mim das coisas erradas da tua vida, de todos os pormenores. Perdeu teus critérios Zo, estavas tão aturdido e sequer deixava-me ajudar, aproximar.

Eu precisava te ter, do teu cheiro, da tua carne. Doía muito Zo... Mas guardava respeito por tuas vontades. Não Cheguei aquele dia, daquele jeito no apartamento, montado naquela cena, para te impressionar, te assustar, te fazer cair na real de qualquer modo, por mais bobos que podiam ser meus meios.

Era só uma notícia. Não sabia do que se tratava, e tu tão abalado, me humilhaste daquela maneira, disse que eras meu brinquedo de luxo, dentre tantas coisas sem sentido. Culpa das tuas burradas, Zo, da tua imaturidade, e disso não podes me responsabilizar. Era só um leão de circo, um animal mal tratado, instável, que havia agredido uma criança sobre sabe-se lá que circunstâncias. Ainda, menos que isso, apenas uma notícia de jornal...

Zo, meu amado, quando te levantaste naquela pose, acusando a mim de ter te sujado, de ter acabado com a tua vida, realmente não te compreendi... Me incriminavas de tantas coisas ao mesmo tempo, que fiquei perdido. Ora, afinal, eu era incapaz de entender a morte de um animalzinho, a dor de um criador, a frieza de um delegado. Por favor, Zo, era manhã cedo, não sabia do que estavas falando. Tinhas bebido, não acreditei quando tirou a roupa e pude te ter. Pensei que havia te trazido de volta, foste tão carinhoso... Só que eu não tinha entendido o teor das tuas palavras... Depois que tu dormias, fui ler a notícia e ainda assim não vi motivos para tanto. Não fui eu quem te sujou meu amor... Eu estava limpo até então.

Como pode desconfiar de alguém que cuidava tanto de ti. E assim, como uma bicha velha instável, como dizias, fui tomado de uma ira repentina, voltei ao quarto e tive teu pescoço entre meus dedos. Parecias um anjo, delicado, safado, mal ressonavas. Tua pele branca... Por quê me acusaste tão veementemente... Saí correndo Zo... Não sabia, se quer, se continuavas vivo... Mas era tu quem havia me sujado, por uma desconfiança tão boba, tão fraca... Frente a indícios tão débeis... E eu, jamais teria coragem de negar a tua carne.

Zo, foste tudo o que tive naquele tempo. Demorou muito para que eu pudesse perceber que para ti, eu era apenas a única saída. Ouvir isto da tua boca, não foi fácil, mas depois de tantas coisas que me falou, me oferecias teu corpo, e sabias que não exitaria em tomá-lo.

O leão morreu Zo, pois a vida, meu menino é assim: às vezes existem atitudes que têm que ser tomadas na hora, mesmo que a solução possa vir a ser desagradável. Não sabiam que o tal instrumento de choque estava desregulado, deveriam saber. Mas o tratador tinha que tomar aquela atitude, frente ao animal amado, tratado, cuidado.

Contigo não foi diferente Zo, eu precisava tomar alguma atitude e tinha que ser naquele momento. Agora, sofro as conseqüências, diariamente, e o ano que estava sendo difícil, parece ficar pior.

Deixei uma nota no jornal bem ao teu contento, recortei e a deixo aqui, junto com a rosa. Meu anjo, descansa em paz.

3 Comments:

Blogger Mac said...

Este teu estilo de escrever é muito apaixonante.

23:59  
Blogger Renan Espinoza said...

Assustador.

00:07  
Blogger Miles Cap said...

Confesso que fiquei surpreso quando li o texto da Fê!
Não porque achasse que ela não fosse capaz de escrever uma coisa boa, mas pq eu não esperava um texto TÃO bom.
Sei da tua opinião sobre teu texto, Fê, mas o bom escritor aprende, inclusive, com o mau escritor para desenvolver suas idéias.
Bjs

08:41  

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