28 junho 2005

Da impossibilidade de não fazer julgamento ou o martírio da ex-futura escritora

Fossem os escritores medíocres menos vaidosos e mais estudiosos, encarariam o fato de que, quiçá um dia, poderiam tornar-se críticos literários. Nota gritante escrita em vermelho berrante para mais estudiosos ali da primeira linha, porque de críticos literários medíocres o mundo também já está cheio.
Esse universo dos escritores medíocres, no qual apresento-me Luciana inserida, peca principalmente pela incapacidade atroz de ver-se livre de pré-julgamentos, de preconceitozinhos, pela impossibilidade de não optar por lado algum.
O quanto é mais fácil resguardar-se atrás de uma só opinião? Quando é que alguém estruturado em linha linearmente linear de personalidade unilateralmente parcial é capaz de dissociar-se dos estereótipos criados pra si?
Vejamos o caso do leão aqui, tema de nosso convescote literário. Da primeira à centésima vez que li o tema proposto – leão ataca criança em circo - fui me dando conta da minha brutal limitação em conseguir ser humana o suficiente para defender algum dos seres humanos envolvidos na, convenhamos, fatal tragédia do pobre-leão-maltratado-e-faminto-fadado-a-entreter-cretinos-usurpadores.
Pensei em personificar o domador. Culpado.
Pensei em personificar a criança. Culpada.
Pensei em personificar a mãe da criança. Culpada.
O tio que acompanhava a criatura descontrolada? Culpado.
Os outros animais, a mídia, as testemunhas? Todos lotando a cadeia de Restinga Seca, local do ocorrido.
Pensei em humor negro, pensei em conto fantástico, metáforas, alegorias, paralelismos, virei o tema de ponta-cabeça, fiz uma força incomensurável para me livrar de algo que já sabia: eu opto demais, demais...
E quando vejo, eu quero afagar Simba, o já meu leão, dizer-lhe ao pé do ouvido que tudo vai dar certo, que gente é assim mesmo, eu quero abraçá-lo e lhe dar conforto. Meu mais recente desejo desde que o conheci é acarinhá-lo, deitar as mãos em seus pêlos macios, segurar forte em sua juba para fazê-lo olhar dentro dos meus olhos quando eu sorrir para ele, mesmo sabendo que ele não vai me sorrir de volta. Quero lhe comprar uma passagem só de ida para a savana africana e soltá-lo, faço questão, eu mesma. Para não perder o brilho de seus olhos ao dar oprimeiropassoparaacorridadesenfreadaquequererácertamentedar para compensar os anos sofridos. Quero encontrar uma leoa que cuide bem de seus filhotes, quero que coma bem, que tome sol, que se contorça brincando na grama, no riacho, na terra, que se livre de maus-tratos, e que eu não receba sua foto por e-mail dos protetores dos animais. Sim, eu assumo, me apaixonei por Simba. E pior, não podia ser diferente. Mea culpa. Tivesse Simba tido um ataque de voracidade e exterminado metade de Restinga Seca – a propósito, onde fica tamanha desimportância geográfica? – eu ainda estaria do seu lado. Pra todo o sempre.
E aí entra a ex-futura escritora. Alguém já deve ter dito que o maior equívoco cometido pelo poeta foi ter se apaixonado por sua musa. Se ninguém disse, alguém deveria ter dito.
Porque desse poetinha menor aí advém um olhar míope, a cegueira que vai ditar as palavras de seus escritos. Ele vai optar, ele vai se envolver, ele não vai deixar espaço para que o leitor interaja, esse escritor, o medíocre, já entrega a “arte” pronta, sem a menor graça, propaga uma idéia, acima de tudo é um narcisista. Feio, feio, feio.
Eu tentei. Meus rascunhos se desenharam capengas, rotos, tortos, fingidos, sem emoção alguma. Belo exercício que atirou na minha cara a pergunta: será possível não envolver-se?
Aparentemente não pra mim. E que fique claro o aviso que dou desde o início: eu sou incapaz, com surtos de capacidade. O segundo, sob um olhar generoso, talvez explique estar neste grupo.
Espero sinceramente ser capaz de surtar na próxima. Que seja por hobby.