18 novembro 2005

Férias no Caribe


Desde que eu tinha uns 9, 10 anos de idade, queria passar férias no Caribe. Isso aconteceu por causa de um colega do meu colégio, filho de pais relativamente “ricos”, que tinha ido e voltou contando para todos das maravilhas do lugar, além das fotografias.
Tudo aquilo me deu uma vontade enorme de, um dia, passar férias lá. Mas, ao mesmo tempo, tinha plena consciência de que não tinha condições financeiras de pagar uma viagem para lá.
Cheguei à conclusão de que, se queria ir para este lugar, deveria ir por minhas próprias forças, ou seja, estudando para conseguir trabalhar bem e pagar uma viagem ao Caribe.
Foi assim que mergulhei nos livros e passei no vestibular para medicina da Ufrgs, em 3.º lugar. Minha formatura, toda aquela festa, já empregado e recebendo convites para trabalhar em consultórios, tinha me tornado um ortopedista de destaque em minha turma. Foi quando percebi que meu sonho poderia estar chegando perto de ser realizado.
Dois anos de trabalho árduo, sem gastar quase nada, e consegui ter todo o dinheiro para viajar, mas uma sobra para fazer alguns programas, como mergulho e passeios.
Reservas feitas, passagens, hotel, tudo certo. Embarquei num vôo Porto Alegre – São Paulo e depois de São Paulo – Caribe.
Primeiros dias no Caribe, uma beleza, sol, mar claríssimo, paisagens paradisíacas, mulheres bonitas, bebidas, enfim, tudo de bom que um paraíso tropical oferece.
No terceiro dia, ligo o rádio no quarto do hotel e escuto um locutor local falando em espanhol: “A todas las personas de la región, hay un huracán llegando a la ciudad en media hora. Todos deben recojerse en lugar seguro”.
No mesmo instante, dei um pulo da cama e comecei a guardar todos os meus pertences e correr para o local mais seguro que pudesse. Pensei “PQP, venho passar minhas sonhadas férias e vem uma porra de um furacão pra melar tudo”.
Desci as escadas do hotel, todo mundo em pânico, correndo, gritando. Ao chegar no saguão, o gerente do hotel direcionava todas as pessoas para um abrigo subterrâneo no subsolo.
Antes de descer, fui até a frente do hotel e olhei para o céu. Olhando para o leste, céu azul, para o oeste, céu preto e aquele cone devastando tudo o que vinha pela frente. Corri para o abrigo, rezando para tudo o que é santo.
Dentro do abrigo, começamos a escutar o barulho da ventania, vidros quebrando, barulhos de curto-circuito, pessoas gritando por ajuda. Horas que custaram a passar.
Após a passagem do algoz das minhas férias, saímos do abrigo e o quadro era aterrorizante: prédios destruídos, a estrutura do hotel inteira, mas vidros, janelas, restaurante, tudo destruído.
Ao sair para a rua, vi ambulâncias, carros da polícia, correndo desordenadamente para acudir a maioria de pessoas possível, sem muito sucesso, pois o alarme foi dado pelas autoridades muito em cima da hora. Pessoas mortas pelas ruas, outras agonizando. Lembrei-me do meu juramento, mera formalidade para receber o diploma mas que, naquele momento, veio à minha cabeça como outro furacão.
Decidi ir até as autoridades e me oferecer para ajudar, pois sou médico e o quadro não era muito favorável.
Saí, acompanhado de José, um brasileiro que trabalhava como motorista de ambulância, a procura de vítimas. Chegamos em um cruzamento de duas ruas, uma pessoa caída. Descemos para ver se necessitava de ajuda e fiquei estupefato: uma sinaleira caiu sobre a cabeça dela, dividindo seu crânio. José, na hora, falou: “-Vamos, essa não poderemos ajudar”.
Fiquei impressionado com a frieza daquele motorista, mas obedeci. Seguimos viagem. Andando mais uns dois quarteirões, outra pessoa caída, mas escutávamos seus gemidos. “Está vivo!!” pensei.
Esta pessoa estava caída perto de um fio de alta tensão. O fio caiu e eletrocutou a pessoa que, por sorte, foi arremessada a uns 3 metros de distância do cabo. Suas pernas e braços pretos, torrados pela descarga elétrica, a pessoa agonizando, pedindo por ajuda.
Levamos o doente para uma grande enfermaria improvisada, no centro da cidade. Após examinar um pouco melhor o paciente, fui conversar com outros médicos. Numa rápida conversa com eles, diante do estado de seus braços e pernas, totalmente carbonizados pelo choque, optamos por amputar ambas as pernas e o braço esquerdo. O braço direito anda havia uma chance, pois havia circulação sangüínea.
Voltei pro Brasil num avião da FAB, pensando: Será que eu realmente ajudei aquele homem? Não seria melhor ter deixado ele morrer ali?

2 Comments:

Blogger Mac said...

Esse final nos deixa pensativo, ao imaginar que enquanto a natureza se vinga, podemos, de certa forma, jogar com a vida alheia.

15:02  
Blogger Luis Lagarto said...

Bem-vindo mesmo.
Em vista das catástrofes recentes, o texto foi bastante oportuno... e impactante.

23:05  

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