26 setembro 2005

Cheiro de açougue

Quem está livre de cometer uma loucura por amor? Eu comprovei que eu estava dentro desse seleto grupo de pessoas, que age impulsivamente. Não só por amor, mas por qualquer outro motivo que o valha. Mas não fui sempre assim; muito pelo contrário. Sempre fui uma moça recatada, obediente e temente. Colocava a vontade alheia acima da minha, mesmo que isso fosse contra meus próprios anseios. Amélia morreria de inveja. Foi quando conheci o Cláudio, há pouco mais de dois anos atrás, próximo de meu aniversário de 40 anos. Eu estava no supermercado, e chorava copiosamente próximo ao balcão de congelados. Meu marido havia esquecido meu aniversário, talvez pela 10 ª vez consecutiva. Foram necessários 10 anos para eu poder me abrir e expor meus sentimentos, mesmo que fosse à frente de quilos de carnes mortas e geladas, o que não era muito diferente da nossa vida amorosa. Após as primeiras lágrimas escorrerem, Cláudio apareceu, do outro lado do balcão. Primeiro tentou disfarçar, fazendo que não tinha visto que eu havia chorado e tentava esconder as lágrimas. Depois foi muito atencioso, ofereceu-me um copo de água com açúcar, convidou-me para sentar. Não quis ouvir meus problemas, apenas se preocupou comigo, em me fazer sentir bem. Fiquei mais aliviada, eu só precisava daquele pouco de atenção que há tanto tempo haviam privado de mim. Em seguida ele me levou para trás do balcão, e ali trepamos como dois animais no cio.

Inconscientemente, desse dia em diante, comecei a me arrumar melhor para fazer compras. Foi assim que conheci o João, o padeiro; Rogério, o quitandeiro e Alberto o gerente. Foi o Alberto que me levou à essas casas de swing, onde pude ampliar minha rede de amizades. Reencontrei o Cláudio, quem havia me aberto os olhos para esse novo e admirável mundo. Começamos a nos encontrar mais vezes, às vezes atrás do balcão do açougue, às vezes em minha casa quando meu marido saía. Embora tendo conforto do lar e o perigo de meu marido retornar, eu preferia o açougue. Além de ficar mais exposta, eu gostava de sentir o cheiro das carnes, misturada com o cheiro do suor de Cláudio. Fiquei condicionada a isso, e era capaz de ter um orgasmo só de passar na frente de um açougue. Ele era um rapaz bem mais novo que eu; tinha idade para ser meu filho. Cursava a faculdade de matemática na federal, e estava próximo de se formar. Seu trabalho de conclusão versava sobre Oscilação Média Limitada, ou algo parecido. Lembro que isso tomou boa parte de nosso tempo, pois ele estava realmente preocupado. Várias vezes retomava esse assunto, até no meio de algumas fodas.
Sua maior preocupação era quanto a obra sobre a qual precisaria pesquisar. Necessitava do trabalho de Jennifer Woodsworth, que se encontrava no departamento de matemática da universidade. Porém, ele não queria ir lá, pois teve um desentendimento com um dos funcionários. Pediu-me que fizesse esse favor, ele me levaria no caminhão do supermercado e me esperaria na porta enquanto eu pegava a obra. Entrei no departamento, e pedi o tal trabalho. Peguei-o e li como se entendesse do assunto, então precisava dar um jeito de ficar sozinha com ele. Perguntei ao responsável se tinha como pegar emprestado, ele pediu que lhe desse licença, que perguntaria ao seu superior, pois era novo no setor e não conhecia as regras muito bem. Perfeito, assim que ele passou pela porta, enfiei o trabalho dentro do casaco e corri para a rua, onde Cláudio me esperava dentro do caminhão.

- Ande, rápido, ligue o motor e vamos embora!
- Tudo bem, mas por que a pressa?
- Logo eles vão dar falta de mim e do trabalho.
- Sim, mas tu não pediu emprestado uma cópia?
- Não, eu roubei o trabalho original. Não era isso?

Cláudio freou o carro bruscamente.

- Como assim, sua anta? Era só para pegar uma cópia, eles vão saber que eu fui o responsável, pois há meses pesquiso esse trabalho.

Toda aquela amabilidade de Cláudio transformou-se em raiva e em agressão. Com socos e tapas ele me tirou de dentro do caminhão e me jogou na rua, não sem antes arrancar o trabalho de mim.Tudo acabou. Voltei para o meu insosso e frio marido como se nada tivesse acontecido. Mas continuo a ter orgasmos quando passa em frente aos açougues.

1 Comments:

Blogger Luis Lagarto said...

Tua pegada é forte, Capitão. Pra variar, muito bom.
A conclusão foi, no mínimo, visceral hehe.

23:10  

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