25 agosto 2005

Falaí, irmão!

Beleza? Eu tô bem, graças a Deus. Huahauahahahahahaaha.
Na boa, se eu viesse de outro planeta e me contassem o quanto o ser humano é estúpido eu não acreditaria... Só vendo pra crer mesmo.
Você não imagina no que eles são capazes de acreditar por aqui. Vou gastar o meu belo francês agora, hein? Insinue uma lágrima nos olhos enquanto simula um queixo trêmulo ao contar a desoladora história do acidente de papai e mamãe (a propósito, como vão os velhos?), e os trouxas fazem o que você quiser, é inacreditável.
Isso porque ainda não te contei do novo e saboroso ingrediente que adicionei à minha lastimosa saga.
Chega de falar bonitinho, puta coisa de boiola...
Voltando. É, meu caro, teu irmão se surpreende com a própria sagacidade... Imagine só que disse que vinha daquela outra terra maldita porque haviam me chamado negro. Deus do céu! Quantos neurônios são precisos pra enxergar que é justamente isso que sou! Se não carregassem essa cegueira causada pela culpa transmitida, acho eu, em cada gestação de um novo branco, perceberiam a estupidez da coisa toda. Que nada, basta dizer o óbvio: me chamaram negro! Ganha de todas: pederasta, matricida, corno, estuprador, retardado...
Quando ouviram essa, o povo daqui logo me instalou em um lugar com outros “desabrigados”. Sou foda, vai? A molecada dessa pocilga é bacana, a gente joga bola e tal... O azar deles, acredito eu, foi não terem criatividade (não me chame de diabólico!) e talento pra comover essa gente cretina do jeito certo. Os pobres estão aqui há sabe-se lá quanto tempo e ninguém move uma palha pra fazer alguma coisa, enquanto no meu caso, saca só, já tão até entrando em contato com a embaixada de Camarões!
Calma, calma, tranqüilo, tranqüilo, eles jamais vão saber que eu sou é do Senegal. O problema dessa gente é achar que africano é tudo a mesma coisa: faminto, digno só de pena, inculto, e por tudo isso, acima de qualquer suspeita. Pecam por se achar demais, se acham demais... Sempre vão se achar mais afortunados do que a gente. Que paguem o preço, oras. Mas, você deve tá se perguntando, eles não questionam a “perda” dos documentos? Acreditam mesmo que me assaltaram e levaram meu passaporte? Assaltar alguém como eu? Pois é... Acreditam.
Bom, mas de qualquer maneira, escrevo mais pra avisar que logo mais tô saindo fora. Não é que me apareceu uma tia com idéia de me adotar? Chega a ser ridículo, né? Num país com tanta criança de rua, os caras até pra adotar preferem um gringo... Santa (e providencial, diga-se de passagem) cegueira...
Enfim, assim que a poeira baixar por aí, vou encontrar vocês. Peça desculpas ao pai e à mãe, diga que sinto muito a pressão que a polícia tá fazendo, mas que continua valendo muito a pena ter matado aquela puta.

Abração,

O pobre africano anônimo... huahauahauahauahah