27 agosto 2005

Sofrimento da carne alheia

Agora penso nesse mundo como um pequeno pedaço de terra a ser explorado continuamente até exaustão; dele ou minha. Quem vencerá, ainda não tenho as palavras para responder, mas estou procurando um modo de solucionar tal questão.

Sempre sonhei em ser famoso, nem que por 15 minutos fosse. Decidi que queria filmar um desastre, mas é difícil prever onde eles acontecem. Resolvi ocasionar o meu próprio, quis contar com a ajuda de meu irmão, mas ele foi contra. Apenas se acalmou quando disse que ninguém sairia ferido. Preparei um artefato explosivo e coloquei em uma mochila. Passei-me por turista e entrei em um ônibus vazio, onde fingi esquecer minha mochila. A explosão deveria ocorrer exatamente 30 segundos depois que eu desembarcasse, longe de qualquer pessoa, sem machucar ninguém e que eu pudesse filmar. Porém, um erro de cálculo fez com que ela explodisse dois dias depois, com intensidade maior do que esperada, exatamente no momento em que o ônibus estava em um grande engarrafamento no centro da cidade. A explosão ocasionou um efeito dominó, explodindo vários carros à sua volta, inclusive aquele onde se encontravam meus pais e meu irmão.

Durante um mês perambulei pelas ruas em estado de choque. Não respondia a nada nem a ninguém. Policiais me procuraram, e então resolvi assumir a identidade de meu irmão; não foi difícil, pois éramos gêmeos. Acho que foi uma falha em minha consciência que me forçou a fazer isso. Em pouco tempo começaram a suspeitar de mim. Então, em vez de famoso, decidi ser um anônimo. E o melhor lugar para fazer isso é outro país. Clandestinamente embarquei em um navio com destino ignorado. Viajei muito, perdendo a noção do tempo e de muitas outras coisas. Descobriram-me no meio da viagem e trataram de fazer eu pagar pela viagem através de muita humilhação. Abandonaram-me no primeiro porto que pararam, numa terra longínqua e desconhecida.

Minha identidade e a do meu irmão permaneceram anônimas. Permaneci vagando entres lugares completamente estranhos a mim, em meio das pessoas mais diferentes já vistas. Meu preço ainda não havia sido pago ainda, pois a humilhação seguia cada vez mais forte. Eu percebi que aquilo era necessário, fazia parte da exploração; o sofrimento da carne pelo pecados cometidos. Afundei-me onde mais poderia permanecer mais assustado ainda: o fundo de minha alma.
Então, o sofrimento final veio nos meus sonhos, onde vi que o causador da explosão havia morrido nela própria e aqui estava eu, no meio do inferno, pagando pelos pecados de meu irmão gêmeo.

3 Comments:

Blogger Renan Espinoza said...

O último parágrafo me lembra aquele conto do Borges, "O Outro", que o protagonista se encontra consigo mesmo, um jovem e outro velho. No teu, tem uma coisa que prende, uma impressão, uma ilusão de que nunca se saberá de quem se está realmente falando.

15:32  
Anonymous Anônimo said...

Caro Anderson, obrigado pelo título do poêma, foste o único a me brindar... Li aqui que gostas de filmes. Vou te indicar tres, um drama, um ação e uma comédia: Jornada da Alma; Edukators; I love Huckbees. Espero que aprecie.

Um abraço.

20:15  
Blogger Samantha Pinotti said...

Anderson, demais !
...COntinua escrevendo pois me acrescenta muito ler coisas inteligentes!
Parabéns!

09:40  

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