23 novembro 2005

Sina Nacional

I

Eu vim mostrar na praia as banhas flácidas
Num ato heróico, louco, impressionante,
Que o mar que vai banhar meu bojo túrgido
Parece feito de algo infectante.

O temor da sujidade
Consegui matar com argumento forte:
Orçamento pela metade --
Só restou-me vir pra cá tentar a sorte!

Praia surrada,
Maltratada,
Salve? Salvem-me

Dos rios de esgoto intenso verde-lívido!
Que nojo -- quem já viu nunca se esquece
Do refletido céu no lixo líquido
Que mesmo mar adentro inda aparece.

Ninguém se importa mais com a natureza?
Será tão triste a sina deste povo --
Bater-se por espaço na areia?

Praia lotada!
Se eu dormir quando acordar não tenho nada.

Um mês inteiro disto é doentio,
Onde está
meu fuzil?


II

Deitado finalmente em ponto esplêndido,
O mar que vejo é de corpos desnudos.
Vergonha de minha forma paquidérmica,
Se ao menos fosse eu jovem e marrudo

As garotas mais garridas
Encheriam minhas tardes de amores!
Que têm elas contra barrigas?
Não as têm também os meus competidores?

E olha aquela,
Que sarada,
Salve! Salvem-me

De outro camelô com espetinhos de
Camarão frito no ano passado!
E o outro tem produtos que a alfândega
Jamais soube que foram importados.

E se ergues às crianças a voz forte,
Verás que o pai folgado vem p'ra luta:
Pedir educação resulta em morte!

Mas que roubada!
Chovendo, lá na quitinete se faz nada!

E na semana o tédio é doentio,
Vou voltar
Mais senil.

19 novembro 2005

"Minhas Férias"

Minhas férias foram boas e ruins. A mamãe e o papai foram viajar e me deixaram com o tio Milto no sítio dele. É gostoso porque tem o Bingo, o cachorro dele, tem um laguinho que tem peixe, e tem árvores grandonas pra subir. Até construí uma cabana emcima de uma delas quando era mais pequeno. O ruim é que quando não tem visita, o sítio fica triste. Só meu tio mora ali.
Agora que fiz 10 anos, meu tio disse que estava na hora de eu aprender brincadeiras novas e resolveu me ensinar. Eu gostava mais de subir na cabana, meu pai me ajudava e a gente dava um monte de risada lá dentro, porque ele batia a cabeça no teto. Sempre ouvi dizer que crescer era difícil, acho que agora comecei a achar chato também. Não gostei das brincadeiras do tio, mas não disse por que sou tímido e meus pais não estavam ali. Eu olhava pra cabana, queria subir lá, mas o tio não me ajudava. Bobo.
Ele quiz que agente ficasse pelado, que eu sentase no colo dele, dava uns berros estranhos, me asustou muito. Depois pegava no meu corpo, mas não como o papai, a mamãe ou a vovó fazem, apertava. Não parece nem com jogo de futebol, nem com nenhuma outra brincadeira que eu conheço. E ele também pedia pra eu copiar o que ele fazia comigo no corpo dele. Não gostava não. Na verdade tinha um pouco de nojo, parecido com quando eu piso em cocô de cavalo, lá do sítio também. Eu queria falar o nome da brincadeira pra senhora, mas ele não me dise como chama.
O bom é que acabava rápido e não sei por que, ele sempre me dava doce de goiaba depois, o meu preferido. Então eu pensava no doce de goiaba, brincava com ele, e comia o doce de goiaba. Ele queria brincar primeiro uma vez por dia, depois duas e até três, mas o resto do tempo eu ia no laguinho, brincava com o Bingo e tentei fazer um caminhão de madeira que eu achava solta no chão. Isso era legal. Mas não deu tempo de acabar o caminhão e eu também não quero voltar pra lá pra acabar ele. Achei muito chato mesmo a brincadeira do tio.
Até contei pro papai e pra mamãe quando chegamos em casa depois que eles pasaram lá pra me pegar, mas eles me bateram muito e diseram que eu tava inventando a brincadeira do tio. Diseram que iam me levar no médico da cabeça, e me puseram de castigo. Eu ouvi eles conversando que é muito comum na minha idade que a minha imaginação brinque comigo, mas pelo que entendi, é melhor nunca mais voltar a falar no asunto. Eles não gostaram nadinha mesmo. Mas eu não quero voltar pro sítio não...Esas foram minhas férias.
A senhora acredita?

18 novembro 2005

Férias no Caribe


Desde que eu tinha uns 9, 10 anos de idade, queria passar férias no Caribe. Isso aconteceu por causa de um colega do meu colégio, filho de pais relativamente “ricos”, que tinha ido e voltou contando para todos das maravilhas do lugar, além das fotografias.
Tudo aquilo me deu uma vontade enorme de, um dia, passar férias lá. Mas, ao mesmo tempo, tinha plena consciência de que não tinha condições financeiras de pagar uma viagem para lá.
Cheguei à conclusão de que, se queria ir para este lugar, deveria ir por minhas próprias forças, ou seja, estudando para conseguir trabalhar bem e pagar uma viagem ao Caribe.
Foi assim que mergulhei nos livros e passei no vestibular para medicina da Ufrgs, em 3.º lugar. Minha formatura, toda aquela festa, já empregado e recebendo convites para trabalhar em consultórios, tinha me tornado um ortopedista de destaque em minha turma. Foi quando percebi que meu sonho poderia estar chegando perto de ser realizado.
Dois anos de trabalho árduo, sem gastar quase nada, e consegui ter todo o dinheiro para viajar, mas uma sobra para fazer alguns programas, como mergulho e passeios.
Reservas feitas, passagens, hotel, tudo certo. Embarquei num vôo Porto Alegre – São Paulo e depois de São Paulo – Caribe.
Primeiros dias no Caribe, uma beleza, sol, mar claríssimo, paisagens paradisíacas, mulheres bonitas, bebidas, enfim, tudo de bom que um paraíso tropical oferece.
No terceiro dia, ligo o rádio no quarto do hotel e escuto um locutor local falando em espanhol: “A todas las personas de la región, hay un huracán llegando a la ciudad en media hora. Todos deben recojerse en lugar seguro”.
No mesmo instante, dei um pulo da cama e comecei a guardar todos os meus pertences e correr para o local mais seguro que pudesse. Pensei “PQP, venho passar minhas sonhadas férias e vem uma porra de um furacão pra melar tudo”.
Desci as escadas do hotel, todo mundo em pânico, correndo, gritando. Ao chegar no saguão, o gerente do hotel direcionava todas as pessoas para um abrigo subterrâneo no subsolo.
Antes de descer, fui até a frente do hotel e olhei para o céu. Olhando para o leste, céu azul, para o oeste, céu preto e aquele cone devastando tudo o que vinha pela frente. Corri para o abrigo, rezando para tudo o que é santo.
Dentro do abrigo, começamos a escutar o barulho da ventania, vidros quebrando, barulhos de curto-circuito, pessoas gritando por ajuda. Horas que custaram a passar.
Após a passagem do algoz das minhas férias, saímos do abrigo e o quadro era aterrorizante: prédios destruídos, a estrutura do hotel inteira, mas vidros, janelas, restaurante, tudo destruído.
Ao sair para a rua, vi ambulâncias, carros da polícia, correndo desordenadamente para acudir a maioria de pessoas possível, sem muito sucesso, pois o alarme foi dado pelas autoridades muito em cima da hora. Pessoas mortas pelas ruas, outras agonizando. Lembrei-me do meu juramento, mera formalidade para receber o diploma mas que, naquele momento, veio à minha cabeça como outro furacão.
Decidi ir até as autoridades e me oferecer para ajudar, pois sou médico e o quadro não era muito favorável.
Saí, acompanhado de José, um brasileiro que trabalhava como motorista de ambulância, a procura de vítimas. Chegamos em um cruzamento de duas ruas, uma pessoa caída. Descemos para ver se necessitava de ajuda e fiquei estupefato: uma sinaleira caiu sobre a cabeça dela, dividindo seu crânio. José, na hora, falou: “-Vamos, essa não poderemos ajudar”.
Fiquei impressionado com a frieza daquele motorista, mas obedeci. Seguimos viagem. Andando mais uns dois quarteirões, outra pessoa caída, mas escutávamos seus gemidos. “Está vivo!!” pensei.
Esta pessoa estava caída perto de um fio de alta tensão. O fio caiu e eletrocutou a pessoa que, por sorte, foi arremessada a uns 3 metros de distância do cabo. Suas pernas e braços pretos, torrados pela descarga elétrica, a pessoa agonizando, pedindo por ajuda.
Levamos o doente para uma grande enfermaria improvisada, no centro da cidade. Após examinar um pouco melhor o paciente, fui conversar com outros médicos. Numa rápida conversa com eles, diante do estado de seus braços e pernas, totalmente carbonizados pelo choque, optamos por amputar ambas as pernas e o braço esquerdo. O braço direito anda havia uma chance, pois havia circulação sangüínea.
Voltei pro Brasil num avião da FAB, pensando: Será que eu realmente ajudei aquele homem? Não seria melhor ter deixado ele morrer ali?

17 novembro 2005

O Espelho Circular

Durante minhas férias, programei uma viagem de estudo às terras do oriente, onde tive a oportunidade (o prazer) de hospedar-me em tal casa antiga, que só o cheiro do local já trazia o sentimento de milhares de anos de história. Não vou saber precisar bem a cidade, mas como muitas, era cercada por tal desertificação que mantinha a comunidade unida na sua luta contra sua própria natureza. Um povo hospitaleiro, o qual conseguiu tranqüilizar meu medo de enfrentar tal civilização que tem uma face tão dura, marcada por tantos fatos milenares. Arriscando meu hebraico enfadonho, consegui me comunicar e com o tempo pude produzir diálogos interessantes e instrutivos com os quais pude elaborar um suposto guia de viagem sobre aquela região. Não estive só em minha ilíada em língua estranha. Um americano, Richard Adams, que hospedava-se em quarto vizinho, e que também viajava com os mesmo propósitos que eu, teve a mesma dificuldade, para se fazer entender. No fim do corredor, encontrava-se Lisaveta Ivanovna, russa, porém versada em diversas línguas, inclusive na hebraica. Lisaveta foi muitas vezes nossa salvação.

Várias vezes sentávamos nós três na sacada, eu apresentando meu melhor inglês macarrônico que pude aprender, comentávamos sobre a vastidão das culturas existentes e nossa petulância perante milhares de anos que nos cercavam em querer colocar um mundo em poucas páginas. Especulávamos também a dificuldade das pessoas diferenciarem indivíduos de raças diferentes. Adams, dizia que todos os japoneses, além de serem uns filhos de umas putas, eram todos feitos da mesma merda. Certa vez, a questão que presenciamos no local também foi abordada, pois para nós todos daquela região eram parecidos. Adams afirmava que Abraão, dono do lugar onde estávamos hospedados, tinha trepado com todas as mulheres da cidade e por isso eram todas as crianças parecidas. Talvez envergonhada pelo vocabulário de Adams, Lisaveta retirou-se, alegando cansaço. Retorna a meus ouvidos as simples, mas eficientes palavras de Adams, o qual costumava a se referir a Deus como "the biggest son of a bitch", o qual era culpado por toda essa merda que estava ali. Contradizia-se, já que alegava ser ateu. Muito influenciável que sou, comecei a usar muito de suas gírias, em especial "son of a bitch" e "fuck". Muitas vezes tive que me policiar em frente a Abraão, evitando vocabulário que de alguma forma pudesse ofendê-lo (mesmo que ele não soubesse o inglês, poderia identificar tais palavras). O americano não se constrangia, e pude notar que Abraão não o suportava, mas o tolerava pelo bom dinheiro que pagava pelo quarto. A arrogância de Adams, somente tolerada por mim (não só pelo fato de eu ser muito paciente, mas por me sensibilizar com tais personas que não tem nada além de sua própria altivez) contribuiu para me aproximar de Lisaveta, por quem me enamorei desde o primeiro momento.

Adams não se demorou para ir embora, alegando precisar concluir sua pesquisa até o fim do ano, e muitos lugares ainda esperavam por sua visita. Deixou-me seu endereço em New York o qual nunca visitei e, se não me engano, já não tenho mais. Lisaveta também não se demorou, iria voltar à sua terra para terminar seus estudos, porém, prometemo-nos manter contato. Conquistado pelo clima da região e pelo ambiente amigável, decidi prolongar minha estadia por lá. Minha amizade com Abraão intensificou-se com a partida de Adams e Lisaveta. Meu medo de ser um estrangeiro solitário fez-me agarrar no primeiro galho do penhasco que visse pela frente. Abraão, com muita simpatia aceitou ser esse suporte. Minhas conversas na sacada com Adams e Lisaveta, foram substituídas por longas histórias contadas por Abraão. Na minha gula por traduzir tudo que ele dizia, não me coordenava em falar; apenas ouvia. Isso conquistou a simpatia de Abraão, homem de largos gestos, comunicativo e, como aprendi, que não gostava de ser interrompido.

Certa noite ele se enveredou na história de um espelho de forma circular, obra de Solimã, filho de Davi - seja salvação para ambos! -, cujo preço era muito elevado, pois era feito de diversos metais e aquele que olhasse em seu cristal via o rosto de seus pais e de seus filhos, desde o primeiro até os que ouvirão a Trombeta. Imediatamente calou-se, envergonhado, parecia ter falado mais do que devia. Tentei tranqüilizá-lo com meu parco hebraico, jurando-lhe de que tal revelação (a qual quebro agora por motivos que todos entenderão) não constaria em nenhum relato meu sobre esta viagem. Sensibilizado com tal juramento, ele prometeu-me mostrar um tesouro que escondia, e só o faria pois notava o meu esforço por agradar-lhe. Levou-me até a sala de estar da casa e pediu-me que o esperasse ali. Ele sumiu por uma outra porta e por alguns instantes pude ouvir o som de grandes móveis sendo arrastados. Logo ele reaparece trazendo nas mãos um largo objeto enrolado em um pano verde. Pediu-me que jurasse mais uma vez manter isso fora de meu relato, o que o fiz sumariamente. Tirou o objeto de dentro dos panos e o depositou sobre a mesa. À primeira vista não passava de um espelho comum do qual não me preocuparia em gastar mais que 5 dólares para tê-lo.

- Este, meu amigo, é o espelho de que lhe falo; o espelho de Solimã, filho de Davi, sobre o qual lhe direi a história. Nos primeiros dias, havia no reino dos andaluzes uma cidade na qual residiam seus reis. Nessa cidade existia um forte castelo, cuja porta deveria manter-se fechada. Cada vez que um rei herdava o trono deveria colocar, com suas próprias mãos, uma fechadura nova na porta. Nela somaram-se 24 fechaduras, até subir no trono um homem diabólico que não pertencia à casa real e que ordenou que as portas fossem abertas. Muitos tentaram persuadi-lo de tal empreitada, mas sem sucesso. Com sua mão direita (que arderá para sempre) abriu a porta do castelo e inspecionou seus aposentos, dentro dos quais muitos tesouros foram encontrados, inclusive este o qual lhe mostro agora. Porém na parede final de uma longa sala encontrou a inscrição que dizia "Se alguma mão abrir a porta deste castelo, os guerreiros de carne que se parecem aos guerreiros de metal da entrada tomarão o reino". Antes do final desse ano, Táric apoderou-se dessa fortaleza, derrotou esse rei, vendeu suas mulheres e seus filhos e assolou suas terras. Assim foram se expandindo os árabes pelo reino da Andaluzia. Talvez a história não lhe revele muito sobre o espelho, mas a forma como foi encontrado me diz muito. E além disso, é tudo que sei.

Mantendo interesse com o qual ouvia todas suas histórias, o encarava sem surpresas.

- Teu rosto incrédulo parece desafiar-me, o mesmo ocorreu com um outro viajante que o encarou, e te digo: se duvidas, experimente-o.

Assim o fiz e tudo me pareceu a mais límpida verdade. Vi o primeiro Adão, percorri todos meus antepassados que um dia ocuparam os Pirineus para depois se deslocarem para a região central da África em busca de diamantes; vi meus avós de séculos passados em suas cruzadas inúteis; vi desbravadores em um novo continente selvagem e então vi eu, e somente eu.

Falei o corrido para Abraão e suas notícias não eram agradáveis. O espelho não mente jamais e isso significava que eu era último de minha linhagem. Muito poderia se deduzir disto, talvez até uma morte prematura me aguardasse na próxima viagem. Assombrado pelo meu futuro incerto parti em direção à Rússia, deixando a terra hospitaleira de Abraão, o qual me fez jurar mais uma vez manter nosso segredo.

Chegando em São Petersburgo procurei por Lisaveta e a pedi em casamento, eu não tinha mais nada a perder; e não perdi. Em pouco tempo veio a notícia que me tirou um grande peso da alma: Lisaveta estava grávida. O espelho era falso? Seria Abraão um charlatão tentando aproveitar-se da minha credulidade conquistada em longas noites de histórias? Nada mais importava, a linhagem Forlon continuaria.

Sete anos depois, vendo meu filho correr pelo gramado de minha casa lembro de Adams e balbucio:

- Mas esse filho da puta é a cara de Abraão.

05 novembro 2005

5º Tema

Após um longo tempo de ociosidade, as atividades serão retomadas. A bola da vez pertence a Eduardo Capp que sugeriu o tema “Minhas Férias”. Apesar de estarmos sofrendo alguns desfalques, creio que os interessados podem continuar escrevendo, pois devido à minha falta do que fazer, irei incomodar muita gente ainda com esse projeto. Dado recado, abaixo seguem os dados do 5º tema.

Tema: Minhas Férias
Autor: Eduardo Capp
Entrega: 18 de novembro de 2005

Abraço a todos