28 agosto 2005

Tiço

Se eu conheci o Tiço?!
Claro!
Sujeito maneiro.
Falava esquisito, quase nunca entendia um ovo do que ele dizia.
Sujeito famoso, peguei duas meninas que queriam conhecer ele...hehehe.
O Tiço é um bom sujeito, uma vez me deu um pedaço de um bolo que deram pra ele em uma reunião com uns bacanas.
Quando eu souber escrever melhor vou mandar uma carta pra ele.
Pra contá que a Marcinha teve um Tiçinho hehehe
Bem, ela diz que é dele... com a Marcinha nunca se sabe....heheheh
Ser brasileiro pobre em país de gringo dá fama, mulher e viagem de avião.
Ele disse que no início foi difícil, mas que agora todo mundo dizia que queria o bem dele, que não ia mais faltar grana, nem nada.
Um dia sigo o conselho dele.
Chegar ninguém sabe de onde, falando português em terra de gringo.
Se bobear, volto de avião de bacana cheio de dinheiro...hehehe

27 agosto 2005

Sofrimento da carne alheia

Agora penso nesse mundo como um pequeno pedaço de terra a ser explorado continuamente até exaustão; dele ou minha. Quem vencerá, ainda não tenho as palavras para responder, mas estou procurando um modo de solucionar tal questão.

Sempre sonhei em ser famoso, nem que por 15 minutos fosse. Decidi que queria filmar um desastre, mas é difícil prever onde eles acontecem. Resolvi ocasionar o meu próprio, quis contar com a ajuda de meu irmão, mas ele foi contra. Apenas se acalmou quando disse que ninguém sairia ferido. Preparei um artefato explosivo e coloquei em uma mochila. Passei-me por turista e entrei em um ônibus vazio, onde fingi esquecer minha mochila. A explosão deveria ocorrer exatamente 30 segundos depois que eu desembarcasse, longe de qualquer pessoa, sem machucar ninguém e que eu pudesse filmar. Porém, um erro de cálculo fez com que ela explodisse dois dias depois, com intensidade maior do que esperada, exatamente no momento em que o ônibus estava em um grande engarrafamento no centro da cidade. A explosão ocasionou um efeito dominó, explodindo vários carros à sua volta, inclusive aquele onde se encontravam meus pais e meu irmão.

Durante um mês perambulei pelas ruas em estado de choque. Não respondia a nada nem a ninguém. Policiais me procuraram, e então resolvi assumir a identidade de meu irmão; não foi difícil, pois éramos gêmeos. Acho que foi uma falha em minha consciência que me forçou a fazer isso. Em pouco tempo começaram a suspeitar de mim. Então, em vez de famoso, decidi ser um anônimo. E o melhor lugar para fazer isso é outro país. Clandestinamente embarquei em um navio com destino ignorado. Viajei muito, perdendo a noção do tempo e de muitas outras coisas. Descobriram-me no meio da viagem e trataram de fazer eu pagar pela viagem através de muita humilhação. Abandonaram-me no primeiro porto que pararam, numa terra longínqua e desconhecida.

Minha identidade e a do meu irmão permaneceram anônimas. Permaneci vagando entres lugares completamente estranhos a mim, em meio das pessoas mais diferentes já vistas. Meu preço ainda não havia sido pago ainda, pois a humilhação seguia cada vez mais forte. Eu percebi que aquilo era necessário, fazia parte da exploração; o sofrimento da carne pelo pecados cometidos. Afundei-me onde mais poderia permanecer mais assustado ainda: o fundo de minha alma.
Então, o sofrimento final veio nos meus sonhos, onde vi que o causador da explosão havia morrido nela própria e aqui estava eu, no meio do inferno, pagando pelos pecados de meu irmão gêmeo.

25 agosto 2005

Um abraço

Que sentido há quando se perde as esperanças? Não existe mais "pai", não existe mais "mãe", não existe mais "casa" e o irmão que me restava partiu para terras distantes. O que tenho, agora, é um resto de vida que não sabe se conhecerá amanhã. Ontem, hoje, amanhã é tudo a mesma coisa; eu não tenho destino, não tenho afazeres, apenas esse corpo que mantenho vivo sem saber porquê. Eis o que me resta: permanecer vivo; eis o que passa as longas horas dos meus dias.
Não é a fome nem a sede o que me atormenta, já as conhecia, já passei mais de um dia sem comer. Me dói é a solidão, é o estar só e o saber estar só no meio da multidão; é o estender os braços e me sentir um fantasma, não visto, intocável; é abraçar-me a um cachorro tão faminto quanto eu quando a noite esfria; é acordar no outro dia. Alvorada, a marcha continua.

Aprendi a dizer adeus e, obrigado a renunciar ao abraço de despedida, me lancei ao mar. Me pergunto: existe razão no desespero? Digo hoje em português "obrigado". Acredito: há.

Falaí, irmão!

Beleza? Eu tô bem, graças a Deus. Huahauahahahahahaaha.
Na boa, se eu viesse de outro planeta e me contassem o quanto o ser humano é estúpido eu não acreditaria... Só vendo pra crer mesmo.
Você não imagina no que eles são capazes de acreditar por aqui. Vou gastar o meu belo francês agora, hein? Insinue uma lágrima nos olhos enquanto simula um queixo trêmulo ao contar a desoladora história do acidente de papai e mamãe (a propósito, como vão os velhos?), e os trouxas fazem o que você quiser, é inacreditável.
Isso porque ainda não te contei do novo e saboroso ingrediente que adicionei à minha lastimosa saga.
Chega de falar bonitinho, puta coisa de boiola...
Voltando. É, meu caro, teu irmão se surpreende com a própria sagacidade... Imagine só que disse que vinha daquela outra terra maldita porque haviam me chamado negro. Deus do céu! Quantos neurônios são precisos pra enxergar que é justamente isso que sou! Se não carregassem essa cegueira causada pela culpa transmitida, acho eu, em cada gestação de um novo branco, perceberiam a estupidez da coisa toda. Que nada, basta dizer o óbvio: me chamaram negro! Ganha de todas: pederasta, matricida, corno, estuprador, retardado...
Quando ouviram essa, o povo daqui logo me instalou em um lugar com outros “desabrigados”. Sou foda, vai? A molecada dessa pocilga é bacana, a gente joga bola e tal... O azar deles, acredito eu, foi não terem criatividade (não me chame de diabólico!) e talento pra comover essa gente cretina do jeito certo. Os pobres estão aqui há sabe-se lá quanto tempo e ninguém move uma palha pra fazer alguma coisa, enquanto no meu caso, saca só, já tão até entrando em contato com a embaixada de Camarões!
Calma, calma, tranqüilo, tranqüilo, eles jamais vão saber que eu sou é do Senegal. O problema dessa gente é achar que africano é tudo a mesma coisa: faminto, digno só de pena, inculto, e por tudo isso, acima de qualquer suspeita. Pecam por se achar demais, se acham demais... Sempre vão se achar mais afortunados do que a gente. Que paguem o preço, oras. Mas, você deve tá se perguntando, eles não questionam a “perda” dos documentos? Acreditam mesmo que me assaltaram e levaram meu passaporte? Assaltar alguém como eu? Pois é... Acreditam.
Bom, mas de qualquer maneira, escrevo mais pra avisar que logo mais tô saindo fora. Não é que me apareceu uma tia com idéia de me adotar? Chega a ser ridículo, né? Num país com tanta criança de rua, os caras até pra adotar preferem um gringo... Santa (e providencial, diga-se de passagem) cegueira...
Enfim, assim que a poeira baixar por aí, vou encontrar vocês. Peça desculpas ao pai e à mãe, diga que sinto muito a pressão que a polícia tá fazendo, mas que continua valendo muito a pena ter matado aquela puta.

Abração,

O pobre africano anônimo... huahauahauahauahah